237: Redes: nós, mas também ganhos!
Ativador: A definir
Data: 31/05/2018    Local: FCA 01 Sala 05 - Buriti    Horário: 10:30 - 12:30
ID Título do Trabalho/Autores
1547 Profissionais como produtores de redes: tramas e conexões no cuidado em saúde
Rosilda Mendes, Viviane Santalucia Maximino, Flavia Liberman, Maria Fernanda Petroli Frutuoso

Profissionais como produtores de redes: tramas e conexões no cuidado em saúde

Autores: Rosilda Mendes, Viviane Santalucia Maximino, Flavia Liberman, Maria Fernanda Petroli Frutuoso

Apresentação: No que tange ao cuidado em saúde, as redes podem ser consideradas decisivas, seja pela organização do sistema de saúde, que implica ações coordenadas de diversos serviços e setores, seja pela constatação empírica de que o cotidiano e a manutenção da vida parecem apoiados em conexões diversas que incluem familiares, vizinhança, trabalho, amizade entre outros. Neste contexto, o conhecimento de quais seriam as redes de sustentação e cuidado que incluem, mas não se reduzem, aos níveis de atenção primário, secundário e terciário, interessa ao sistema de saúde e contribui para o fortalecimento de princípios do Sistema Único de Saúde como a integralidade e a equidade. A pesquisa Atenção básica e a produção do cuidado em rede no município de Santos, realizada de 2014 a 2016 com o intuito de identificar, acompanhar e problematizar processos de cuidado de saúde em rede, revela redes de atenção que são construídas de maneira bastante diversas e que muitos são os fatores que contribuem para potencializá-las e/ou enfraquecê-las. Este resumo busca analisar como os profissionais de saúde tecem e produzem as redes de cuidados. Indaga-se como e quando as redes ficam mais potentes e produzem vida e saúde, ou, ao contrário, apenas reforçam as ofertas instituídas e enfraquecem as tramas e conexões do cuidado em saúde. Métodos: O estudo adotou a pesquisa-intervenção, que pressupõe a participação daqueles que de alguma forma estão envolvidos no ato de pesquisar e seguindo as guias do método cartográfico, o percurso da pesquisa foi produzido com os sujeitos. A opção pela pesquisa-intervenção e pela cartografia parte da orientação de que o trabalho do pesquisador é construído em processo e não se faz de modo prescritivo. Foram realizadas oficinas com as equipes de onze unidades básicas de saúde, nas quais subgrupos de pesquisadores, da universidade e dos serviços, exploraram casos e/ou situações marcantes das quais emergissem o tema das redes, elegendo um para aprofundamento. A seguir, de acordo com a singularidade de cada contexto, os pesquisadores realizaram aproximações e ações com os sujeitos selecionados a fim de conhecer as redes acionadas e como os diversos atores contribuíram ou não para a efetivação das redes de cuidado. A construção coletiva da experiência de cuidado, com pesquisadores da universidade, dos serviços de saúde e sujeitos selecionados, foi registrada em diários de pesquisa. O processo de análise, a partir do conjunto de diários, ocorreu pela busca das palavras-chave “redes”, “articulação” e “relação”, que permitiram um agrupamento inicial dos temas: usuário como produtor de rede, profissionais como produtores de redes e ferramentas produtoras de rede. Resultados: Foram verificadas redes de atenção amplas, operacionalizadas de diversas maneiras e compostas por múltiplos vetores e elementos formais e informais, visíveis e invisíveis, objetivos e subjetivos que contribuem para facilitar ou dificultar a construção de pontos de articulação entre serviços, pessoas e recursos para o cuidado. Dois vetores, intimamente articulados, explicitam a organização das redes investigadas: um deles segue um ordenamento instituído e diz respeito à estrutura piramidal, verticalizada, que pretende organizar o sistema de saúde, e outro, que resulta da tensão permanente com os acontecimentos que “escapam” dessa lógica e que buscam, de diferentes modos, traçar outros trajetos que respondam às necessidades, limites e potências dos próprios usuários e dos trabalhadores que gravitam em cada situação, o que chamamos de uma rede rizoma. Com o recorte dos profissionais como produtores de rede, aponta-se as tensões entre sistemas de ordenação e hierarquização, uma vez que encontramos nas narrativas dos profissionais reclamações e julgamentos dessa ordenação que se processa por meio de encaminhamentos, o que pode “amarrar” as estratégias de cuidado, pois, ao encaminhar o usuário, o profissional pode se desresponsabilizar do cuidado e contribuir para a fragmentação das ações de saúde. A atenção básica ainda é vista como simples, de menor complexidade, por isso é desvalorizada. Nas especialidades estaria o saber e aqueles profissionais mais habilitados para fazerem diagnósticos e tratamentos. Essa concepção espraia-se entre os profissionais e usuários e cria uma cultura competitiva que dificulta a cooperação e a produção de redes, pois desqualifica a capacidade do outro em dar continuidade ou mesmo “compreender” o cuidado que está sendo produzido. Na perspectiva de uma rede de caráter rizomático, encontram-se os fluxos de encaminhamento e os movimentos que os diferentes atores realizam na produção da rede de cuidado. Diante das dificuldades de construção de redes de cuidado, conexões se constroem entre as equipes de uma mesma unidade configurando-se em uma rede de apoio interno entre os profissionais, que se constrói no cotidiano do trabalho, compondo um “corpo mais forte”, que ultrapassa a pessoa, criando um corpo institucional. Surge também o reconhecimento do aprendizado que se dá em equipe, em rede. O desafio parece ser a criação de dispositivos flexíveis, não burocráticos, que possam construir as redes necessárias a cada situação. Percebe-se que isso só é possível se tomarmos a definição de rede como um conjunto de conexões que se fazem por meio de nós, sempre aberta e móvel, sendo que cada ponto desta pode estabelecer uma conexão direta com qualquer outro ponto. Essa definição contrapõe-se a um sistema organizado verticalmente e mesmo cindido em setores e departamentos, configurando a rede rizoma. Considerações finais: Trazendo para o centro os usuários, seus direitos e os limites e as potencialidades de seus lugares sociais, pôde-se perceber fragilidades na produção do cuidado, na composição das redes e na promoção da saúde. Verifica-se também que recursos e conexões são cotidianamente reinventados no encontro entre instituições e sujeitos, que se afetam mutuamente e podem apoiar as práticas de cuidado em rede. A escolha dos serviços de atenção básica como ponto de partida para a investigação problematizou aspectos importantes sobre as redes formais de cuidado indicando questões relativas à comunicação entre os níveis de atenção, o uso dos protocolos, os modos como os diversos profissionais atuam ao se relacionarem com os profissionais de outros serviços e com os usuários, bem como conflitos entre o que é prescrito e o que é vivido no cotidiano dos serviços, entre outros. Os profissionais apontam dificuldades em acionar a rede formal diante das complexas condições de vida e de cuidado e também reconhecem iniciativas individuais e criação de redes de apoio interno que facilitam suas ações. Há de se destacar que as diferentes redes se interconectam e se relacionam. As redes formais coexistem com as informais, algumas vezes não reconhecidas pelos profissionais, apontando a necessidade de se valorizar o usuário e suas redes como protagonistas na busca de apoio que nem sempre tem início nos serviços de atenção básica.

3819 Trabalho intersetorial em rede na desinstitucionalização do cuidado em saúde: a experiência do Núcleo de Apoio Técnico ao Ministério Público Estadual de Santa Cruz do Sul.
Ana Carolina Rios Simoni, Anelise Aprato, Alíssia Gressler Dornelles, Alexandre Butzke, Kellen Vendel, Luzia Bier, Mara Cristina Theisen Dettenborn, Marta Mueller, Patrícia Marcante Soares

Trabalho intersetorial em rede na desinstitucionalização do cuidado em saúde: a experiência do Núcleo de Apoio Técnico ao Ministério Público Estadual de Santa Cruz do Sul.

Autores: Ana Carolina Rios Simoni, Anelise Aprato, Alíssia Gressler Dornelles, Alexandre Butzke, Kellen Vendel, Luzia Bier, Mara Cristina Theisen Dettenborn, Marta Mueller, Patrícia Marcante Soares

As Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI) no Estado do Rio Grande do Sul têm se proliferado e nem sempre apresentam as condições adequadas para promover o cuidado e o bem-estar das pessoas que nelas residem. As fiscalizações permanentes do Ministério Público Estadual e das vigilâncias sanitárias estadual e municipal têm demonstrado os riscos sanitários e as violações de direitos a que, não raro, os idosos estão expostos. Dentre as problemáticas identificadas, destaca-se o fato de que se tem institucionalizado, reiteradamente, de forma irregular, junto aos idosos, outras populações vulneráveis com menos de 60 anos, o que desrespeita as legislações e normativas específicas que visam garantir direitos e atender as necessidades de cada grupo populacional. Dentre estas, estão as pessoas com deficiência física e mental, pessoas que apresentam histórico de transtorno mental (egressos do Hospital Psiquiátrico São Pedro, do Instituto Psiquiátrico Forense e/ou encaminhados por secretarias municipais de saúde, de assistência social e familiares) e pessoas com outros quadros clínicos limitantes. A 13ª Coordenadoria Regional de Saúde, a Secretaria Municipal de Saúde e a de Políticas Públicas de Santa Cruz do Sul e o Ministério Público Estadual têm atuado na fiscalização e no acompanhamento destas instituições, bem como nos processos de desinstitucionalização dos moradores, segundo a legislação vigente, articulando a construção de soluções para esta problemática. No bojo destas articulações intersetoriais, optou-se por criar um grupo de trabalho permanente na forma de um Núcleo de Apoio Técnico ao Ministério Público Estadual de Santa Cruz do Sul, com reuniões ordinárias mensais e extraordinárias sempre que necessário, constituído por representantes das Secretaria Municipais da Saúde e do Desenvolvimento Social, bem como da 13ª Coordenadoria Regional de Saúde, a fim de abordar de forma intersetorial e solidária a problemática da vulnerabilidade de populações frequentemente institucionalizadas, tais como idosos, pessoas com deficiência e pessoas com transtornos mentais relacionados ou não ao uso de drogas. Fazem parte deste Núcleo representantes das Políticas Municipais e Regionais de Saúde do Idoso da SMS de Santa Cruz do Sul, Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, Saúde da Pessoa com Deficiência, Atenção Básica, da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e do Ministério Público Estadual de Santa Cruz do Sul. Dentre os objetivos deste Núcleo estão: garantir fluxos seguros de cuidado em saúde e proteção social para idosos, pessoas com deficiências física/ mental e das pessoas com transtornos mentais, frequentemente institucionalizadas; planejar ações conjuntas para prevenir a institucionalização irregular de pessoas com menos de 60 anos em ILPI; articular a rede intersetorial para a construção de projetos terapêuticos singulares e de proteção e inserção social, de acordo com as demandas de cada indivíduo e família; garantir as condições adequadas de cuidado e o respeito aos direitos de populações institucionalizadas; realizar diagnóstico situacional acerca das institucionalizações regulares e irregulares em curso nas ILPI; elaborar plano de ação para desinstitucionalização das pessoas irregularmente institucionalizadas. Como metodologia de trabalho temos a discussão e definição das ações a serem efetivadas em cada caso, a partir de reuniões intersetoriais sistemáticas de discussão de casos; a aplicação de Censo Clínico e Psicossocial com o objetivo de realizar um levantamento da história pregressa e atual do morador e definição de plano de ações; o trabalho em rede intersetorial, abrangendo todos os setores necessários para a atenção integral de cada indivíduo de acordo com o plano estabelecido; a realização de visitas domiciliares, audiências no Ministério Público com técnicos do NAT, familiares e usuários; organização de grupo da primeira escuta com trabalhadores de saúde mental, atenção básica, ambulatório do idoso e assistência social; participação dos técnicos do NAT, quando necessário, em vistorias das vigilâncias do Estado e/ou Município  em ILPI. Um breve panorama dos casos trabalhados ao longo do primeiro ano de criação do NAT nos mostra que, dentre os 33 casos discutidos, 73% das pessoas tinham entre 40 e 59 anos, 15% tinham mais de 60 anos e 12% tinham menos de quarenta anos; 70% eram do sexo masculino e 30% mulheres. Chamou atenção também o fato de que a maioria dos casos, 89% deles, era de pessoas com deficiência intelectual ou física, principalmente a primeira, e 11% dos casos eram de pessoas com transtornos mentais. Os resultados até o momento no trabalho caso a caso são os seguintes: em 18% dos casos se produziu a reinserção familiar, com resgate de vínculos sociais e com o serviço de referência do território (Atenção Básica e Atenção Psicossocial); em 21% dos casos uma institucionalização foi evitada; em apenas 6% dos casos foi realizada a inserção em moradia terapêutica (Residencial Terapêutico ou Inclusivo); e 55% dos casos seguem em acompanhamento, seja para construir possibilidades de saída do ambiente institucional, seja para evitar que a institucionalização aconteça. Uma avaliação sistemática do trabalho nos permitiu identificar algumas necessidades para o aperfeiçoamento da articulação em rede intersetorial em curso. Foram identificadas carências de dispositivos e profissionais no município necessários neste momento para que o processo de trabalho seja qualificado, evitando novas judicializações, institucionalizações e permitindo uma atenção integral aos usuários: implantação de centros de convivência dia, ampliação da equipe do Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS), implantação de mais dois Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e contratação de neurologista pela SMS. A avaliação do trabalho feito até então demonstrou ainda que o trabalho intersetorial racionaliza gastos, evitando a sobreposição de ações e o uso de tecnologias desnecessárias, como exames, internações e consultas de especialidade. Identificou-se também a necessidade de definir um grupo gestor-articulador do NAT para potencializar os processos de linha de cuidado na condução dos casos, criando maior coesão nas ações desenvolvidas. Verificou-se ainda a importância de se estabelecer fluxos de atuação em rede, fortalecendo as equipes do território, especialmente a Atenção Básica, diante de situações de institucionalização que exijam ações imediatas e longitudinais. Neste sentido, foram criados fluxos que dividem responsabilidades e orientam ações articuladas, que envolvem fiscalizações em instituições, apurações de denúncias, primeira escuta de usuários e familiares em casos que chegam à Promotoria ou à rede, audiências na Promotoria, Censo Clínico Psicossocial e construção de planos terapêuticos singulares. Estes fluxos têm se constituído no cotidiano do trabalho intersetorial como ferramentas de linhas de cuidado, pela construção de itinerários singulares de cuidado em rede com respeito aos direitos humanos. O perfil dos casos trabalhados, por sua vez, nos mostrou que é imprescindível considerar a imbricação entre os processos de sofrimento psíquico e de institucionalização com alguns marcadores sociais como gênero, deficiências, raça/cor e vulnerabilidades sociais como trabalho precário no campo, histórico de violência doméstica, situação de rua e institucionalizações anteriores em equipamentos da assistência social. A sobreposição entre vulnerabilidades é comum nas histórias de vida trabalhadas pelo NAT. Assim, o trabalho intersetorial no resgate de histórias de vida e vínculos sociais tem convocado a reflexões no campo da interseccionalidade, interrogando a ordem institucional que naturaliza a universalidade do sujeito de direitos e, com base no princípio da igualdade jurídica, invisibiliza as iniquidades. A atuação do Ministério Público local na discussão e construção das linhas de cuidado e dos projetos terapêuticos singulares conjuntamente às equipes de saúde e assistência social tem se mostrado fundamental para a garantia de direitos neste contexto de trabalho em rede intersetorial para a desinstitucionalização.

2621 Das tessituras de uma Rede de Saúde: Sobre os desafios e dilemas do cuidado em Saúde Mental.
Paula Monteiro de Siqueira, Heloisa Elaine Santos, Laura Camargo Macruz Feuerwerker, Marilia Louvison

Das tessituras de uma Rede de Saúde: Sobre os desafios e dilemas do cuidado em Saúde Mental.

Autores: Paula Monteiro de Siqueira, Heloisa Elaine Santos, Laura Camargo Macruz Feuerwerker, Marilia Louvison

Este relato pretende apresentar as questões formuladas a partir da experiência dos pesquisadores da RAC-Rede de Avaliação Compartilhada que foi desenvolvida em uma Supervisão Técnica de Saúde no Município de São Paulo. Esse mergulho na rede se deu entre março e dezembro de 2016, em espaços de articulação da RAPS e nos caminhares com 2 usuários-guias nas redes de serviços que compõem a RAPS e em outros espaços de suas vidas que visavam atender as demandas/necessidades de saúde dos mesmos. Esta pesquisa tem abordagem qualitativa cartográfica e implica um mergulho intenso nas redes de cuidado, no trabalho vivo em ato e nos encontros com os usuários nos seus contextos de vida.  Nosso objetivo é refletir sobre a formação das redes-vivas de cuidado dando visibilidade aos movimentos e atores que a constituem. Desenvolvimento O território campo desta pesquisa é composto por aproximadamente 620 mil pessoas e conta com três CAPSII (Adulto, Infantil e Álcool e Drogas). O território compreende uma zona mais central da cidade de São Paulo indo até zonas mais periféricas, com perfil populacional diverso apresentando importantes questões como: população imigrante, população em situação de rua e alta vulnerabilidade social. Os usuários-guias pertencem a este território e à sua maneira fazem uso da rede. Sr. José é uma pessoa em situação de rua, que não se sabe ao certo sua idade e é acompanhado pela Equipe de Consultório na Rua há 3 anos, já foi internado de forma involuntária por duas vezes devido ao seu comportamento agressivo que é atribuído ao seu quadro de transtorno mental, não aceita nada que lhe é oferecido pela equipe, desde centro de acolhida, medicação, documentos ou comida e pede que suas decisões sejam respeitadas pela equipe. Sr. João, é usuário da RAPS, frequenta Unidade Básica de Saúde (UBS), Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e Centro de Convivência e Cooperativa (CECCO), circula por todos estes serviços e também por outros espaços na comunidade, inclusive em espaços de participação popular e controle social. É identificado pela equipe como alguém que “circula bem” pela RAPS. A necessidade da construção dos espaços de conversa entre os profissionais foi disparada a partir da demanda de casos mais complexos, que eram discutidos pontualmente. Diante da necessidade de fortalecer a rede e de discutir o manejo dos casos foi constituído o Fórum de Saúde Mental com periodicidade mensal e enriquecido com pessoas chamadas pra falar sobre temas advindos das necessidades dos serviços e numa proposta intersetorial, foram chamados a compor o Fórum, a Educação, a ASs, a Defensoria e o SEAS. Há também reuniões de micro-territórios compostos por 3 a 4 UBSs que contam com a participação de trabalhadores de UBS, CAPS, NASF, NPJ, Consultório na Rua, CECCO, APD, Centros de Acolhida, dentre outros. Os encontros tomam corpo a partir dos casos trazidos pelos trabalhadores, que de alguma forma buscam a rede do território para enfrentar as dificuldades encontradas no desenvolvimento de seus Projetos Terapêuticos. Resultados O trabalhador da rede de serviços é a ponta da lança das políticas e recai sobre si e suas práticas diárias o desafio de dar visibilidade, no contexto social, ao sujeito da loucura no que tange aos seus direitos à saúde, à inclusão, à liberdade, à educação, dentre outros. Ao mesmo tempo produzir olhares singulares, pois cada um é constituído de uma trajetória de vida, de desejos, de necessidades muito próprias, não é tarefa fácil diante dessa construção histórico-social das práticas asilares e desse lugar dos ditos loucos. Nas nossas andanças vimos que há nuances de “loucura” circulando na rede, há aqueles que entram e saem da rede voltando apenas para trocar suas receitas, há aqueles que frequentam regularmente os espaços e os serviços ofertados e há aqueles que não aderem aos serviços. A proposta genuína da RAPS é de pensar PTS como aqueles que nascem a partir da escuta do que é um desejo, um projeto singular de cuidado, buscando construir projetos de vida que mobilizem modos de vida mais satisfatórios, mais saudáveis e mais inclusivos, propiciando maior autonomia. Um projeto possível para Sr. José seria os cuidados com seu mocó e considerar que ele estar na rua ao seu modo é possível. Mas e quando ele infringe regras sociais mostrando seu corpo nú, se masturbando em público e isso irrita e constrange as pessoas do entorno? Como pensar nessa produção desejante que se dá em meio a uma produção comum? E o Sr. João que na ausência de urgências relativas às crises e perturbações clínicas, não “incomoda”, não faz “barulho” e resume sua situação: “Sou estável, mas não evoluo” Por trás desta afirmação, uma demanda por “evolução”? Por mudanças? A questão é se a gente produz o desejo no usuário ou a partir do momento que estamos naquele encontro é uma produção coletiva. São muitos sentidos que são construídos ao mesmo tempo e isso faz do cuidado algo muito sensível. Assim, é fundamental valorizar o vínculo e a criação constante no processo de cuidado. O trabalhador muitas vezes traz uma enorme demanda consigo por estar em frente de diversos casos complexos. Nesse sentido destaca-se a importância da dimensão intersubjetiva, do encontro de si com o outro em seus planos existenciais, em produções que vão além da produção material ou de protocolos. A falta de compartilhamento traz sensação de cansaço e esgotamento, pois a demanda é infinita que à sua porta. Essa limitação tem vários nomes: solidão, insuficiência, dúvida, incapacidade. Os espaços de conversa são povoados pelos casos mais complexos para serem discutidos, pois apresentam certas emergências, e isso faz com que muitos usuários dos serviços de saúde mental fiquem no plano da invisibilidade, e ao mesmo tempo os profissionais se sintam culpados por não conseguirem abarcar toda demanda. Essa sensação reflete que a ausência de proposições para algumas questões é um analisador da escassez de recursos, seja de recursos para a escuta da diversidade e da singularidade dos sujeitos, seja de recursos para a oferta de cuidado de acordo com estas características. Considerações Finais Os caminhos trilhados mostraram que as políticas e as portarias que institucionalizam a RAPS não garantem redes efetivas e cuidadoras, redes vivas e quentes. Construir espaços de conversas e (re)-conhecimento dos serviços e trabalhadores que os compõe vai além, pois é da ordem da invenção e (re)-invenção o tempo todo enquanto trabalhador, enquanto gestão. As complexidades que são constituintes da vida de muitos usuários vêm chamando uma rede viva, que por vezes necessita se arranjar fora dos planos formais institucionalizados a fim de que produzam mais possibilidades de existência. Dessa maneira, a necessidade dos usuários requer que os serviços saiam de seus lugares mais convencionais. Estas questões ecoam nos trabalhadores,  em seus valores, desejos e importâncias. Diante disso como retomar essas questões na construção de um agir antimanicomial, para produção de redes quentes e trabalhos vivos. Elas cabem nas apostas da gestão do cuidado? Já nos é comum falar que não basta tirar do intramuros dos manicômios, é necessário ter atitudes antimanicomiais no cotidiano dos serviços e na vida em comunidade para produzir novas relações como uma maneira de produzir cuidado. Mas afinal, quais são as maneiras de garantir que a rede de saúde mental se conecte com a rede de vida do usuário?   

2712 OS “NÓS” DA REDE: DESAFIOS PARA COORDENAÇÃO DO CUIDADO ENTRE NÍVEIS DE ATENÇÃO
Marina Ferreira de Medeiros Mendes, Isabella Chagas Samico, Maria José Bezerra Guimaraes, Zulmira Maria de Araújo Hartz

OS “NÓS” DA REDE: DESAFIOS PARA COORDENAÇÃO DO CUIDADO ENTRE NÍVEIS DE ATENÇÃO

Autores: Marina Ferreira de Medeiros Mendes, Isabella Chagas Samico, Maria José Bezerra Guimaraes, Zulmira Maria de Araújo Hartz

Apresentação:Problemas vinculados à coordenação dos cuidados são apontados como principais desafios à organização dos sistemas de saúde em muitos países, principalmente na América Latina, incluindo o Brasil. Com a finalidade de promover uma atenção mais eficiente, equitativa e de qualidade, foram criadas as Redes de Atenção à Saúde. No Brasil, considerando a integração e articulação entre serviços como fundamento primordial das redes, os “nós” representam desafios inerentes ao sistema de saúde, em especial, a coordenação do cuidado entre níveis de atenção.Objetivo: Analisar a coordenação da gestão clínica entre níveis de atenção aos pacientes com doenças crônicas e fatores que influenciam sua operacionalização, em município do estado de Pernambuco, Brasil.Método: Estudo avaliativo, recorte da pesquisa multicêntrica “Impacto das estratégias de integração da atenção no desempenho das redes em diferentes sistemas de saúde da América Latina -Equity-LA II”. O estudo foi desenvolvido em Caruaru, Pernambuco, Brasil. A rede possui 63 unidades de Atenção Primária à Saúde (APS) e 16 Unidades de Atenção Especializada (AE). Foram entrevistados 180 médicos (58-APS e 122-AE), que atendiam pacientes crônicos e trabalhavam na rede há mais de três meses, de junho a outubro de 2015. Variáveis analisadas: sociodemográficas, laborais e organizacionais; Quanto à coerência da atenção: adequação clínica da transferência, duplicação de exames, reconciliação de tratamentos e compartilhamento de objetivos clínicos. Foi realizado modelo de regressão logística, sobre possível influência dos diferentes fatores, na percepção da coordenação da gestão clínica. Resultados: A maioria dos participantes foi do sexo masculino, idade de 36 a 50 anos. Quanto à percepção sobre coordenação entre níveis de atenção, apenas 5,7% dos entrevistados na APS e 10,6% na AE acreditam na articulação da rede. Na coordenação da gestão clínica, 68% dos médicos AE e 89,6% da APS consideram que estes últimos sempre encaminham pacientes aos especialistas. O percentual de médicos em concordância com tratamentos prescritos pelo outro nível foi menor na AE (37,7%) comparado à APS (63,8%). Fatores que influenciam na articulação: baixa percepção dos médicos quanto ao papel dos apoiadores de território e gerentes de unidades como facilitadores (40%); pouco tempo disponível (50%) para articulação. Em relação à atitude e interação dos profissionais, a maioria não conhece os profissionais do outro nível. Existe menor percepção de confiança do especialista quanto às habilidades do generalista. Estes últimos se reconhecem como coordenadores do cuidado, não se verificando reconhecimento significativo pelos especialistas. A precária articulação pode estar vinculada a fatores organizativos e à formação dos profissionais. Considerações finais: A opinião sobre coordenação da atenção reflete a complexidade do termo e a tradicional separação entre níveis assistenciais e diferenças de percepção quanto ao papel de titularidade na coordenação. Embora fatores externos influenciem na coordenação, destacaram-se problemas relacionados aos fatores organizativos internos da rede. Identifcaram-se falhas no papel dos atores gerenciais, deixando lacuna importante na indução de processos de articulação tais como acompanhamento, supervisão integrada e apoio matricial. Intervenções para melhoria vão requerer ações específicas para que a gestão conjunta se traduza na integração entre níveis de atenção.